Barquinho de papel (azul)

Hoje sonhei com meu avô  Que tudo preparava para encontrar minha avó  Tudo. Elevadores, espaço, bosque, casa. Tudo que ele achava que precisava. Para encontrá-la e com ela ficar - novamente. Ontem fui dormir triste e acordei feliz com o sonho. Os detalhes se sobrepuseram na memória e a narrativa não tem coesão, coerência, tampouco roteiro. Só um sentimento: amor. Quase no final do sonho ele pegava a viola e começava a tocar música autoral para ela: Barquinho de papel. Enquanto eu, de posse de um papel azul, tentava fazer um origami de barquinho com um pássaro para entregar a ele, quando terminasse de tocar. Mas eu não soube terminar, me perdi entre as dobras. Ele tocara a última estrofe quando o sonho, esse sim, terminou: "Eu ja tava estressado  Com aquele tanto de trabalho Canário é igual a soldado  Se come fora de horário  Pode até não existir" Acordei cantarolando, como moda de viola, me perguntando o que havia de romântico nesta canção. Talvez houvesse nos v...

Poderia acontecer. Eles podiam se ouvir.


- Boa noite.
- Boa noite.
(poderia ser um beijo)
- Então, conseguiram resolver a falta de instrutores? Naquele dia já havia alunos reclamando.
-Teve uma seleção hoje e conseguimos dois instrutores já com alguma experiência. Vão passar por duas semanas de testes e quando se interarem das normas, poderão saltar com os alunos.
- Ainda bem, você já estava a ponto de um ataque, organizando tudo por lá.
- Verdade. Mas acabou a agonia, ainda bem!
Eles curtiram aquele silêncio, raro silêncio, na noite que começara o inverno, noite de folhas congeladas e do vento frio que entrava pela janela. Foi momentâneo, mas pode-se registrar, no vento, como um desenho, a marca de cada sorriso estampado, um em cada face (poderiam estar em uma única boca).
- Sim, me deixa dizer. Hoje quando voltava da empresa, ainda no sinal fechado, avistei um casal que parecia discutir, ele com um ramalhete e ela não aceitando. Ele parecia pedir desculpas e ela chorava, mas sem ceder aos braços dele. Então ela começou a recuar e virou-se, ele permaneceu parado sem querer ir embora. Ela atravessou a faixa e parou à baixo de uma árvore na calçada. Ventava muito às 8h (quando o relógio da torre tocou), quando uma semente, ou algo parecido, caiu da árvore e como um impulso ela voltou-se a ele e ia atravessar a rua, quando o sinal abriu. Enquanto esperava os dois carros a minha frente avançarem, pude ver quando ele foi embora, deixando-a. Ela que teria atravessado se o sinal atrasasse 5 segundos, mas que ficou imóvel enquanto o sinal estava aberto. E tudo durou o tempo suficiente de um sinal de trânsito.
- Uau. É triste, mas é cômico também. Só ia depender da música de fundo.
- Verdade, mas fiquei pensando na cena até chegar aqui. Se alguém em contasse, eu diria que seria parte de uma narração.
Começaram a rir, os lábios compassados como se tocassem numa orquestra. Os visinhos jamais escutá-la-iam.
Foram horas, horas de conversa, como de costume. O raro silêncio não aparecia, a noite gélida não parecia importar, o vento entrando pela janela fazia-os se enterrarem nos lençóis aconchegantes, mas sem deixarem de conversar por um segundo.

Poderiam estar abraçados.
Poderiam desenhar um beijo.
Poderiam não escapar um aos olhos do outro.
Poderiam, mas o tempo não os deixaria.

Estavam a três horas, um do outro.

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