Barquinho de papel (azul)

Hoje sonhei com meu avô  Que tudo preparava para encontrar minha avó  Tudo. Elevadores, espaço, bosque, casa. Tudo que ele achava que precisava. Para encontrá-la e com ela ficar - novamente. Ontem fui dormir triste e acordei feliz com o sonho. Os detalhes se sobrepuseram na memória e a narrativa não tem coesão, coerência, tampouco roteiro. Só um sentimento: amor. Quase no final do sonho ele pegava a viola e começava a tocar música autoral para ela: Barquinho de papel. Enquanto eu, de posse de um papel azul, tentava fazer um origami de barquinho com um pássaro para entregar a ele, quando terminasse de tocar. Mas eu não soube terminar, me perdi entre as dobras. Ele tocara a última estrofe quando o sonho, esse sim, terminou: "Eu ja tava estressado  Com aquele tanto de trabalho Canário é igual a soldado  Se come fora de horário  Pode até não existir" Acordei cantarolando, como moda de viola, me perguntando o que havia de romântico nesta canção. Talvez houvesse nos v...

Brancas pedras. Lágrimas Cristalinas.


Estava tudo em sua cabeça. Sempre esteve. Ela era sim, ciumenta, mas, não era ciúme desconfiado e sim, deles dois juntos. Ciúme de um momento, esse quer ninguém tinha o direito de roubar.
Ela, portanto não possuía mais armas para convencê-lo e nem saberia mais como. Toma uma definitiva decisão: Na volta com as roupas. Tentaria salvar aquela tarde da melhor forma possível.
Oi amor
-  Ai está você
Uma instantânea conversa muda
-  Sabe o que estavam me contando?
- O quê?
Um tímido sorriso
- Sobre a história dessa cachoeira
- Unh... (ela tenta mostrar-se interessada)
- Sabe o que é mais interessante? Há pedras brancas apenas no rio, lá de em cima. Aqui em baixo, há apenas escuras pedras; eles dizem que durante a queda tais tornam-se luto, como se a cachoeira fossem lágrimas do rio, eternamente triste.
Ela expressa ceticismo, mas prometeu uma chance ao dia.
- E por que o rio estaria eternamente triste?
- Eles iam continuar a história a partir daí.
- Segundo a lenda, há muitos anos uma criança nasceu cega...
Continuou o mesmo que contava a história antes dela chegar
                - Vô, como é o fundo do rio?
                - Como assim, meu neto?
                - Como é... Posso ouvir o movimento das águas quando um peixe pula mais alto, mas como é que eles vivem lá em baixo?
                - Ah, meu querido, o fundo do rio é mágico. Há peixes de várias cores e tamanhos, assim como na superfície, além de uma vegetação que a gente não vê daqui de cima. Há também pedras brancas, das quais não vemos aqui nas margens. Lá no fundo, no fundo é tão escuro que os peixes não enxergam uns aos outros com os olhos, alguns nascem mesmo sem poder enxergar.
                - Assim como eu, vovô?
                - ... É meu netinho, assim como você. E sabe o que torna mais mágico? Eles não sentem falta das cores, nem vontade de conhecê-las  e mesmo assim podem saber onde estão ou mesmo se estão com outros peixes conhecidos ou não.
                - É mesmo vovô? E como eles sabem?
Ele expressa uma grande felicidade
                - Sim. Pelos cheiros. Cada grupo de peixinhos tem um cheiro diferente, assim, se um peixe que ele não conhece se aproxima, o primeiro peixe saberá.
                - E pela voz também, vovô?
                - Também, meu netinho, mas eles não falam como a gente.
                - Lá deve ser um bom lugar para morar
                - Deve ser, mas para os peixinhos certo?
                - ... Certo, vovô
Ele podia perceber o interesse brotando nos olhos ela.
- E o que aconteceu?
Ela fala como quem pode prevê o final daquela história
- O garoto e seu avô voltam do passeio de canos. Como já era fim de tarde...
                - Mamãe, mamãe...
                - oi, meu filho, o que foi?
                - Mamãe, meu vô me contou tudo do fundo do rio.
                - Foi, meu amor? E você gostou bastante, certo?
                - Sim, é tudo mágico, mamãe, você sabia que peixinhos que não enxergam vivem lá no fundo? Como eu, mamãe e nenhum precisa, é um bom lugar para morar, né mamãe?
                - Para os peixinhos, certo filho?
                - ... É, mamãe, para os peixinhos.
Ele sai cabisbaixo... parecia um lugar tão mágico, por que só para os peixinhos?
Ela podia sentir lágrimas nos olhos...
Naquela noite, o garotinho dormia numa das cabanas do acampamento com sua mãe. Acordou com um sorriso, um bonito sorriso. No sonho, quando mergulhava no rio até o fundo, tornava-se um peixinho e assim lá podia morar. Uma feliz morada.
O sol nasce e a mãe do garotinho acorda. Espreguiça-se concluindo que seu filho havia saído cedo para mais uma das Histórias do Vovô.
-  Filha...
Ela sai da cabana com pensamentos doces, lembrando-se do sorriso de seu pequeno ao contar sobre as histórias do fundo do rio...
- Oi pai, bom dia!
- Filha, vem aqui... Eu não posso acred...
Antes que seu pai pudesse terminar, seu sorriso aos poucos se desmancha. Seus pensamentos são destruídos como um pudim de chocolate jogado ao chão. Em seus olhos brotam lágrimas. O doce se esvai, agora apenas o sal e o amargo de sua boca manifestam-se. Leva as mãos aos olhos, ela não podia ver aquela cena, não queria ver aquela cena. Queria correr até lá, como se por um momento pudesse andar sobre as águas, nada a impediria. Um passo, dois, três, acelera, seis... Braços se movimentam uma, duas, três vezes, todo o corpo em sincronia desejando um milagre, um distante, cético milagre. Ela alcança-o, vira-o. Beija-o. Suas lágrimas agora o purificam. Abraça-o. Clama. Tudo passa como uma câmera lenta, um momento que não deveria durar 5 minutos, passa como a eternidade.
É alcançada. Os braços de seu pai salvam-na de também se afogar nas águas que levaram seu anjo. Salvam-na do mesmo fim, desejado por ela, que teve seu filho. Para ela não importava, mas sua vontade nunca seria feita.
Os três alcançam a margem.
Os três passam o tempo suficiente ali para (tentarem) se recompor.
O pequeno, apenas em corpo.
- Dias depois, em sua pequena sepultura foram colocadas pedras brancas. As mesmas do fundo do rio, agora sua eterna morada.
Ela abraça-o. Não poderia imaginar que se emocionaria tanto assim... Uma hora Havia passado. Eles nem haviam vestidos as roupas que ela trouxe do carro.
 Ela pensava nas brancas pedras. No garotinho. Ela não podia voltar à cachoeira, não agora. Seu desejo, objeto da discussão do início da tarde, havia se esvaído.
- Ei amor, acalme-se. É apenas uma versão, uma lenda, quem sabe.
- É... Eu sei, mas você sabe como a gente fica sensível quando...
Ele nada disse. Não precisava dizer que já sabia. Ela não precisava ouvir. Continuaram ali. Continuaram abraçados num Abraço, agora, mais forte.
                                                              

                                                                                                                                                  06-07/01/12

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