Barquinho de papel (azul)

Hoje sonhei com meu avô  Que tudo preparava para encontrar minha avó  Tudo. Elevadores, espaço, bosque, casa. Tudo que ele achava que precisava. Para encontrá-la e com ela ficar - novamente. Ontem fui dormir triste e acordei feliz com o sonho. Os detalhes se sobrepuseram na memória e a narrativa não tem coesão, coerência, tampouco roteiro. Só um sentimento: amor. Quase no final do sonho ele pegava a viola e começava a tocar música autoral para ela: Barquinho de papel. Enquanto eu, de posse de um papel azul, tentava fazer um origami de barquinho com um pássaro para entregar a ele, quando terminasse de tocar. Mas eu não soube terminar, me perdi entre as dobras. Ele tocara a última estrofe quando o sonho, esse sim, terminou: "Eu ja tava estressado  Com aquele tanto de trabalho Canário é igual a soldado  Se come fora de horário  Pode até não existir" Acordei cantarolando, como moda de viola, me perguntando o que havia de romântico nesta canção. Talvez houvesse nos v...

Camadas: Um ritual.


Chocolate derretido, taças e taças dele. Uma panela no fogão, esquentando o ar em volta, seduzindo o cozinheiro. Precisava terminar a calda de morango para finalizar sua torta de dupla cobertura. Precisava terminar antes que ela chegasse, seria seu primeiro aniversário como namorado dela, nada podia dá errado.
Campainha. Receita não finalizada. Ele teria se atrasado? Como poderia... Relógio. Ela estava adiantada, ele sempre reclamando da não pontualidade dela, justo naquela tarde ela chegara cedo. Campainha. Passos corridos. Porta aberta. Os olhos se cumprimentam, depois os lábios.
- Você está adiantada, você nunca se adianta.
- E você se acostumou com meus atrasos.
- Eu não gosto quando você se atrasa.
- É, eu sei, você é chato.
- Quando você se atrasa, passo menos tempo com você.
Ele ouve algo borbulhar, lembra-se do fogão. Sai correndo. Colher a postos. Volta a mexer a calda que por pouco não gruda no fundo da panela, velha panela onde sua avó já fizera muitos dos dias de seu neto felizes.
Ela ainda estava à porta. Fecha-a. Ele ainda ao fogão. O aroma daqueles “morangos derretidos” invade a respiração dela, agora não mais à porta. Ele deixa a colher cair. Desliga o fogo. A calda estava pronta. Deixaria esfriar um pouco.
Eles adoravam aquilo. Quilos e quilos de doces beijinhos sem cravo. Sem coco. Sem leite condensado. Minutos e minutos de abraços. Mãos e braços de entre abraços compassados pelo ritmo do aroma do chocolate derretido, da calda na panela, da nua torta posta à mesa aguardando a cobertura que tardava a protegê-la.
Havia chegado a hora, a esperada hora daquela tarde, tarde do dia em que ela fazia aniversário. Prepararam-se. Ela ajudava-o retirando o revestimento. Foram até a mesa. Ali estava seu presente para ela, delicado e trabalhado presente. Faltava o toque final e eles o fariam juntos. Com as taças destampadas estavam prontos: Uma camada, a segunda por cima. Sem rugas ou falhas. Estava pronto. Estava feito. (Per)feito.
Eles adoravam torta de dupla cobertura. Sempre na ordem: Primeiro ele com a de morango, depois ela com a de chocolate. Um ritual. Uma história. Uma rotina.
A mesma torta de antes, mas naquela tarde nada seria como antes.


                                                                                        25/01/2012

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